Como? Não como? Comi, que raiva tenho de mim. A relação com o alimento se estabelece desde a gestação, em que as escolhas alimentares da mãe e a própria relação desta com o ato de comer acabam por determinar as escolhas do filho.
Prossegue-se na amamentação, que para além do nutrir, também encerra um vínculo entre mãe filho. Estes elementos contribuem para que se estruture a relação simbólica com a comida.
A construção da relação com a comida
Cada passo da introdução alimentar, também determina respostas quanto ao paladar e uma modulação neurobiológica. Esta última corresponde a forma que áreas do cérebro respondem ao estímulo do alimento, ou seja, como “se satisfaz mediante a presença de cada alimento”.
Cada vez mais os estudos vêm explorando qual impacto que determinados hábitos alimentares, desde a infância, podem impactar na forma que o cérebro responde aos alimentos. Em que manda mensagens com respostas de “pare: estou satisfeito” ou “continue: preciso de mais”.
Para além, destes sinais físicos de resposta cerebral, o ato de comer carrega aspectos simbólicos, de cuidado, carinho, união ou uma forma de intimidade. Assim não só a qualidade e natureza do que é oferecido para criança determinará a forma que esta percebe o alimento, mas a forma que este alimento é oferecido.
O que pode afetar esta relação com a comida?
Em ambientes, com uma grande “pressão” por comer “certo”, “saudável” e com muita rigidez, pode se propiciar que o ato de comer, se torne um momento “de ansiedade” para conseguir se manter o controle e não falhar na escolha ou quantidade do que se come. O oposto de ambiente, quando se incentiva os “excessos” alimentares e ocorre uma constante oferta de alimentos muito “engordativos” pode contribuir para que ocorra um aumento de peso, ou mesmo uma “ansiedade” para resistir a tanto alimento. Então, de qualquer forma ocorrerá uma perturbação da alimentação, para mais ou para menos?
A resposta é não. É importante que os pais percebam a forma que se sentem, quanto a sua própria relação com a comida, para que possam construir esta relação com seus filhos.
A construção desta relação pode ocorrer:
- Ao cozinhar;
- Na compra dos alimentos;
- Desenvolver-se no ritual das refeições;
- E mesmo nos tempos “corridos” quando se solicita comida por aplicativos de celular, conseguir criar um momento de pausa familiar para compartilhar a refeição.
Desenvolver este diálogo e proximidade, pode ajudar os pais a perceberem quando seus filhos passam a evitar “certos alimentos” ou quando iniciam uma “dieta” para poder perder peso. Também, quando seus filhos passam a se julgar de forma exagerada por sua aparência.
Sinais de que a relação com a comida não vai bem…
O que seria um excesso de “preocupação quanto a aparência” em uma sociedade que reforça a “magreza” como uma qualidade? O excesso, caracteriza-se por esta questão de o quanto se pesa e a forma do corpo assumirem o núcleo central de vida daquela criança/adolescente.
O corpo passa a ser um motivo de “vergonha” e o melhor é evitar qualquer situação que precise se expor um pouco mais. As brincadeiras já não têm graça, se torna uma necessidade verificar com cautela o que não tem “perigo de comer” ou quando se acha que errou, fazer algo para gastar aquela comida, como correr, andar de bicicleta ou mesmo fazer exercício no quarto. Alguns indícios vão ocorrendo, como oscilação do peso (para mais ou menos), isolamento, sofrimento, certos rituais relacionados à alimentação, restringir grupos alimentares (se tornar vegetariano, vegano) ou ficar extremamente seletivo.
Comida ou emoção?
Seriam então os problemas relacionados à alimentação um fenômeno do social? Não estritamente. Estas alterações do comportamento alimentar podem ter uma influência de aspectos genéticos (famílias que apresentam quadros de transtornos alimentares, especialmente a anorexia), bases neurobiológicas de como o cérebro responde ao alimento e todo este contexto desenvolvido até aqui.
Fatores que podem contribuir para problemas na alimentação:
- Relação simbólica com a comida;
- Introdução alimentar na infância;
- Ambientes familiares ou sociais de pressão pela “magreza”, ou que promovam uma oferta de “alimentos engordativos”;
- Incentivar a criança/adolescente a realizar uma “dieta” de forma muito rigorosa, ou sem supervisão profissional qualificada; ou seja, “influencers digitais” não estão hábeis para tal;
- A valorização da “pessoa”ser feita por estar “magra”, “ter força de vontade para resistir a comer” ao invés de outras qualidades como inteligência, generosidade, alegria ou deslocar este foco de valorização da aparência.
Problemas do comportamento alimentar precisam serem cuidados dentro do que possam estar representando para aquela pessoa. O que se observa na prática clínica é que muitos destes problemas alimentares se iniciam na infância, adolescência ou mesmo quando se iniciam na vida adulta, permanecem muito tempo em “segredo”.
Há uma longa caminhada, de negação, até procurarem ajuda, ou mesmo caminham a vida toda com este incômodo, relacionado ao que comer e a forma do seu corpo. Quando comida, se torna comida, ao invés de tristeza, ansiedade, angústia, sucesso, aquela pessoa pode se nutrir de outros objetivos para sua vida.