Prova de Vida

Todos os meses a Revista Piauí promove um concurso literário em que precisa ser no texto colocado uma frase a ser encaixada e um elemento estranho. Abaixo segue o texto que foi minha tentativa para o mês de Agosto 2020.

Concurso Piauí: agosto 2020

Frase: A festa acabou, a luz apagou, o bonde não veio. E agora, José?

Elemento estranho: Periquita

Antes de sair do metrô resolvi olhar para o céu. Deu certo. Prossegui. A luz batia nos olhos, cegando minha tristeza e dando ar para minha contemplação. Merecia uma selfie do tipo feliz, mas ainda só sei posar para o que sinto. Com os olhos marejados persisti resignado.

Na esquina, olhei para os lados. Poderia alguém estar à espreita, aguardando minha falha e repetindo na minha cara: Ele não! Como assim? Sempre me dediquei de forma calorosa para toda digamos “chupada de respeito”, fiz muito “grilo gemer” e agora vem essa onda difamatória de lésbicas revoltadas com bichas espevitadas me dizer e gritar: Ele não!

Como eu poderia superar toda essa negativa coletiva, em horda gritando que eu não. Fiquei acuado, mas sem dar o cu. Percebi que encurralado só fica quem não crê. Como minha fé supera meu cu arrombado, logo lancei uma prece para padroeira dos K-Y de plantão. Em instantes recebi minha glória e gozei. Não foi de socavada, mas coisa phina e elegante: Aleluia. Calma, não se exalte. Meu cartão passou e comprei logo minha liberdade.

Não acredita? Eu estava escravizado por uma máfia pornográfica e estava cheio de manias. Nada como uma fé forte para remover toda aquela comoção comigo. De agora em diante seria: Ele sim! Com batalha logo eu seria aquela persona popular, sem nada dizer ou falar, mas com o sorriso entremeado faria você acreditar. Em quê? Em tudo que você sempre se disse meio avesso.

Primeiro você teria que apagar as besteiras que eu disse, ao longo de uns 30 anos…tranquilo. Aí terminada a primeira fase seria preciso ficar meio atônito por um tempo falando que eu era meio “louco”, mas o “mercado” como quem vai na feira: gosta de mim. Assim, comecei a ter que engolir que “ele não” com “ele não é doido para fazer tudo que diz”. Logo tratei de colocar ordem nesta bagunça.

CPF de gay, CPF de família, CPF do cachorro e logo cataloguei todo mundo para poder dizer: “Está todo mundo” sob controle. Esqueci de registrar o Desejo, o tesão, o tal fogo no oco e aí fiquei assim meio liberal até conseguir entender como fazer. Ufa! Aprendi logo que para funcionar seria preciso afirmar tudo ao contrário. Isto criaria uma dúvida nos mais incautos e poderia criar uma bandeira para os ociosos de plantão.

Fiquei surpreso com tanta gente à toa. Minha bandeira, minha foto e até minhas frases enigmáticas viraram bordão nacional. Embriagado pelo sucesso resolvi comer logo uma Periquita, não foi um mico leão dourado, nem um animal exótico, respeito a biodiversidade e garanti que ela não voaria.

Dei-lhe as garantias do cativeiro da sordidez, mas ela se opôs. Preferia essa Periquita, ser periquita. Coisa estranha essa de não poder ser outro, se dizer mais bonito, mais rico ou mais inteligente. Coisa estranhíssima queria a Periquita, ser periquita. Até liguei para o Ibama para ver se tinha aquela cirurgia para Tucano, afinal quem não quer ter uma tromba de elefante.

Ali começou meu conflito: se ela era o que era; não acreditava no cadastro da pessoa farsante (CPF) e apenas queria se manter periquita, meu trabalho perdia o sentido. Afinal, eu sabia que marreco não era pato; galinha não era vadia; veado não era viado e poderia mediante minhas experiências poder saber por onde estamos…

 A festa acabou, a luz apagou, o bonde não veio. E agora, José? Pega logo o próximo. Não hesite. Persista. E se nada fizer sentido logo grite: sou livre da alma, mas pago o IPTU da Farsaria. Condado distante que reino, sem aparecer, discreto…. passa prova de vida.

Passa prova de vida, vem prova de fogo. Que venha a prova de limite. Venha sem palavras, mas não se silencie mediante a dúvida. Voltei para o metrô coloquei a máscara e o suspiro. Entrei no vagão como quem anônimo assume: tenho CPF, mas sei que não posso acreditar em milagre. Resignado, ligo o rádio, apago a vela e toco a campainha: Já podemos ir para lugar algum. Já que nada mudará, falo mais uma vez:

– Resignado, um dia poderá ser ressignificado.  

Rio de Janeiro, 07 de setembro de 2020.

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