Há uma certa alegria difusa no ar, um sorriso no olhar, um cheiro de vida que impregna as ruas. Saímos de nossas casas, como se estivéssemos saindo do poço escuro e vislumbramos que a cidade volta a ser um coletivo. Ainda com as marcas do que não acabou. Estamos no meio, final, ou quem sabe lá, em algum ponto da tão difamada pandemia.
Tem quem conhece de forma precisa a dor de todo este momento, pois nesta caminhada, perdeu um dos seus ou vários dos que ama. Assistiu ao horror, sem maratonar série ou se entorpecer pelas distopias do planalto. Aguentou como pode as notícias e não se enganou pelas quimeras do alívio mentiroso. Bravo! Continue, sem amargura por quem nunca se isolou ou mesmo já tomou chá de cloroquina com ivermectina, sem nunca ter lavado as mãos.
O que faço agora?
Brade, não pelo que perdeu ou pela ânsia de apontar os erros. Já tão evidentes e remarcados nas prateleiras de todos os jornais. Vista sua máscara da resignação, mas não prossiga omisso. Importante, diferenciar o continuar da construção, quanto ao atropelamento da ética. Nunca caminham juntos, pois para se ter compromisso moral precisa ter-se empatia. Ufa, alguns ainda persistem usando sua boa vontade, mantendo distância da arrogância de negar a ciência e tudo mais.
Oi, que bom você sobreviveu!
Aglomere-se com o bom senso. Saímos para a luz do dia, com aquele olhar de assombro e hesitante: quem sobreviveu? A senhora da papelaria continua lá, negociando seu caixa e com o controle do seu estoque. Aquela loja da esquina sucumbiu. Várias portas permanecem fechadas. Será que de forma definitiva? Alguns, quase que inúmeros profissionais quase que imploram por poder servir de máscaras a postos. Aos sobreviventes será necessário lucidez. Não é um momento qualquer.
Parece uma quarta-feira de cinzas sem ressaca. As pessoas retomando suas rotinas, mas não estávamos de carnaval durante estes últimos meses. Nem vivemos um delírio coletivo. Não foi feriado nacional e muito menos teremos o desfile dos campeões. A humildade dos sobreviventes deve não ter a audácia de ofender aos que ainda estão tomando fôlego. Precisaremos ter discernimento para poder atravessar os próximos meses.
Wi-fi da emoção
Os mais otimistas já se confortam vislumbrando a vacina e os subterfúgios de alegria que a reabertura proporciona. Outros apagam a luz do quarto para aguardar a segunda onda e se preparam para uma nova ameaça pandêmica. E tem os que prosseguem de home office, homescholling e esperem aí que vou finalizar aqui mais uma call. Quem está certo? Aquele coerente consigo próprio que não esteja baforando em ninguém na rua.
A satisfação pode ser uma medida da gratidão. Esta última tão famosa, nos últimos tempos, deverá permear cada possibilidade de experiência que nos for possível. Embarque, na alegria da reabertura, sem esquecer aquela pessoa que pediu ao papai do céu piedade quando se viu acuado em março. Não apague o que todas as incertezas despertaram de novos sonhos e acalantou que o necessário está dentro e não fora. Saia de casa, mas não esqueça o “casaco” da empatia e o “guarda-chuva” da gentileza.
Rio de Janeiro, 22 de julho de 2020.