Desde 2014, a campanha Setembro Amarelo, criada pela Associação Brasileira de Psiquiatria em parceria com o Conselho Federal de Medicina, propõe prevenir e reduzir o número de suicídios no Brasil. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o país está na 8ª posição com o maior número de suicídios no mundo.
Acredito que ao longo do mês de setembro você deva ter recebido informações quanto ao setembro amarelo, bem como orientações de profissionais da saúde mental por diversas plataformas. Mediante a necessidade de comunicar informação, bem como viabilizar que pessoas que estão atravessando algum problema emocional limite possam perceber que existe suporte para esta “dor emocional” desenvolvi este artigo com questões propostas pela jornalista Tatiana Datz.
Em um momento atípico que estamos vivendo, devido à pandemia do novo coronavírus, é ainda mais importante falar sobre o Setembro Amarelo e a prevenção de suicídio? Nesse período de isolamento social, os números de caso aumentaram? Por que?
O atual contexto que estamos atravessando determina um conjunto de impasses; econômicos, sociais e uma maior pressão emocional que são fatores que podem propiciar para que algumas pessoas apresentem algum quadro psiquiátrico (depressão, uso abusivo de substâncias, início de quadros de transtorno do humor ou outros diagnósticos).
Ainda é precoce para que se realize esta afirmativa da atual pandemia como um fator de risco para que ocorram pensamentos, planejamento e o desfecho do suicídio. Incipiente pois ainda não temos dados populacionais ou de nossas bases de dados populacionais, como as fornecidas pelo Ministério da Saúde para que se estabeleça esta evidência científica. Até o momento o que temos são os dados da nossa prática clínica, em que profissionais de saúde mental observaram um aumento de demanda por atendimento e também nas emergências clínicas e instituições psiquiátricas uma maior constância de admissões com pessoas que tentaram se matar.
Entretanto, como o cenário vem estabelecendo maior desgaste emocional e adversidades em muitos contextos da vida das pessoas, se faz necessário sinalizar para as pessoas que estas questões emocionais podem receber cuidado quando necessário. Assim estaremos atuando de forma ativa para quem apresentou abertura – iniciou sintomas de sofrimento emocional – ou piora de quadro psiquiátrico possa receber cuidado especializado.
De acordo, com dados da literatura no mínimo 90 % dos que cometeram suicídio apresentavam algum diagnóstico psiquiátrico. Se estamos verificando um aumento da busca por cuidados da saúde mental podemos nos interrogar:
– Está ocorrendo uma maior abertura de quadros psiquiátricos que traduzem a expectativa quanto a crise em saúde mental determinada pela pandemia?
– Ou as pessoas que antes se controlavam sozinhas (exercício físico, alimentação, meditação) mediante seu quadro psiquiátrico ficaram sem alternativas para manejo de sofrimento, ao não ser procurar tratamento especializado?
Na realidade, esta questão apenas poderá ser respondida de forma evolutiva ao longo da análise dos dados de morte notificadas por suicídio nos anos de 2020/2021 comparativamente aos anos anteriores.
Quais são os últimos levantamentos sobre suicídio no Brasil?
O Ministério da Saúde apresenta um sistema de notificação compulsória, ou seja, obrigatória para casos de suicídio. Um estudo de 2019, da Universidade Federal de São Paulo, ao analisar este banco de dados do Ministério da Saúde entre 1997-2015 observou uma tendência de aumento do número de suicídios no Brasil.
Dados de 2015 apontaram que ocorre aproximadamente 10.000 mortes por suicídio ano no Brasil, com uma média de 5,5 suicídios para cada 100 mil habitantes. Importante salientar que em termos de idade o grupo com idade superior a 60 anos concentra uma média superior; em números absolutos 86% das mortes ocorrem no grupo mais jovem de 15-59 anos; sendo em maior proporção no sexo masculino.
Quando se analisa a tendência de projeção quanto ao suicídio da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o Brasil e os dados analisados do Ministério da Saúde verifica-se que de acordo com a evolução, entre 2007 e 2015, a projeção dos dados reais configuram um aumento maior comparado as projeções da OMS. De tal forma, anterior à pandemia já atravessámos um aumento deste fenômeno fatal. Portanto, com a atual crise sanitária e social que estamos percorrendo podemos reforçar a necessidade de cuidado da saúde mental e atuar preventivamente ao provável maior risco de suicídio.
Fonte: Rodrigues CD, de Souza DS, Rodrigues HM, Konstantyner TCRO. Trends in suicide rates in Brazil from 1997 to 2015. Braz J Psychiatry. 2019; 41:380-388. http://dx.doi.org/ 10.1590/1516-4446-2018-0230
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o 8º país com maior número de suicídios no mundo. Existe algum(ns) fator(es) para que isso ocorra? Quais?
O Brasil assim como países de baixa/média renda vem atravessando uma transição quanto a um aumento de casos de suicídio ano. Alguns pontos discutidos quanto a maior vulnerabilidade destes países de economia emergente são a desigualdade social, a crise econômica e as incertezas quanto ao futuro nestes países, determinada por uma instabilidade institucional.
Entretanto, deve-se ressaltar que o Brasil apresenta um valor médio do número de suicídios/ano abaixo de países com economia mais estável e maior equidade social, como a Suíça, Suécia ou Canadá. Portanto, infere-se que estes pressupostos sociais e econômicos não conseguem ser fatores de risco independentes. Reforça-se que o suicídio constitui um fenômeno complexo que precisa ser compreendido dentro de um cenário amplo.
Quais são os sinais de alerta para reconhecer que alguém pode a vir cometer suicídio?
O principal sinal de alerta é a pessoa ter realizado uma tentativa prévia, assim como verbalizar que prefere desistir da vida ou mesmo alguma mudança de comportamento que a deixe mais isolada.
São vários cenários que podem sugerir que a pessoa não está como era anteriormente, na forma de conversar, frequência em que responde as demandas sociais até um completo isolamento. Também, quando a pessoa passa a ficar extremamente pessimista e em suas conversas sinaliza que não está encontrando resposta para o seu desarranjo emocional. Outra forma é a pessoa “camuflar” seu estado emocional, com uma aparente interação em suas redes sociais, conversas por aplicativos de mensagens, mas realiza tudo isto sem conseguir sair da cama para tomar banho.
Um ponto muito minimizado é o aumento do uso álcool e a frequência que podem acabar caracterizando uma medida para “driblar” o desconforto emocional e pode colaborar para que a pessoa fique mais impulsiva.
De acordo com a idade podem acontecer mudanças de comportamento que podem configurar que esta pessoa está mais propensa a desistir de viver:
- Pessoas que realizam tratamento de uma condição clínica crônica e abandonam o tratamento, ou mesmo se negam a realizar as orientações profissionais;
- Crianças que verbalizam que querem “morrer” e fazem ameaças de que querem se matar;
- Adolescentes que se automutilam – se cortam- e que constantemente fazem referência a desistir da vida; se isolam; não querem participar dos e eventos que antes os atraia;
- Jovens adultos que passaram por mudanças bruscas de vida como perda financeira, rompimento de um relacionamento, desemprego ou outros eventos que foram limites para que conseguisse superar;
- Idosos sem suporte social e/ou familiar; Neste grupo da terceira idade quando passam a deixar sua herança de forma a escrever “cartinhas”, algumas mudanças de titularidade de patrimônio que devem ser esclarecidas, pois pode ser um cuidado, mas de acordo com o idoso pode representar uma desistência de lutar para sobreviver.
- Presença de quadros psiquiátricos que determinam maior impulsividade, ou seja, para que a pessoa aja “sem pensar” – como pode ocorrer na depressão, transtorno bipolar do humor e no uso de substâncias. Também, sendo importante considerar que outros diagnósticos psiquiátricos podem ter esta influência (transtornos alimentares; transtorno de personalidade borderline)
- Ficar alerta quando a pessoa compra uma arma de fogo, excesso de remédios, produtos tóxicos, ou mesmo passa a permanecer mais isolada e sem vontade de interagir com o que antes era prazeroso.
Como ajudar pessoas que estão com pensamentos ou comportamentos suicidas?
A ajuda deve ser não negar que a pessoa está atravessando um problema. Procurando ter uma escuta empática e acolhedora para que se possa aos poucos criar uma relação de confiança.
O suporte deve ser ajudar para esta pessoa consiga chegar a um serviço de saúde mental para que possa ter um correto diagnóstico e tratamento, assim como o suporte psicoterápico, caso necessário.
Cuidar para que a pessoa não tenha acesso objetos como armas de fogo, medicamentos, acesso ao carro, armas, lugares altos que podem facilitar a pessoa se lançar; ou mesmo manter uma fiscalização diária mais próxima.
A principal ajuda é sinalizar que a pessoa está diferente do seu comportamento habitual e se mostrar solidária para o que possa ajudar.
O suicídio ainda é um tabu? Se sim, como isso prejudica a prevenção? E como fazer para melhorar esse quadro?
Sim, a questão do tabu é porque o suicídio para além de uma questão comportamental de adoecimento, também implica em questões quanto a ética, moral, religião e aspectos culturais em que a pessoa está inserida.
Há um prejuízo na prevenção, em que as pessoas que estão adoecidas por quadros psiquiátricos, muitas vezes se mantêm distante das mídias sociais e de outras formas de interatividade o que pode prejudicar sua inserção social e a sensação de fazer parte daquele grupo. Outras podem simular que estão bem nas redes sociais e convívio, mas encobrem seus sintomas emocionais. Este grupo não percebe ou reluta que pode receber cuidado para ultrapassar suas dificuldades emocionais. E na maior parte dos casos como o adoecimento psiquiátrico é silencioso, muitas vezes os familiares só percebem que algo está errado quando se tem algum acontecimento grave.
A melhor forma de prevenção do suicídio é que as pessoas possam perceber quando estão diferentes de seu estado habitual, ou que algo na forma de perceberem, sentirem e se relacionar com suas vidas está diferente. E quando falamos de diferença, estou me referindo aquela do incômodo e mal estar.
Como se ajudássemos através da informação, do diálogo e da promoção de auto reflexão que o sofrimento não precisa ser “silenciado” ou “escondido”, mas que se pode o ultrapassar através do cuidado da saúde mental. Prevenir o suicídio significa viabilizar que as pessoas possam perceber em si, ou nos que a cercam que o tratamento psiquiátrico não representa o fim, mas uma janela com parapeito e rede de proteção até que se possa lançar na vida, sem que seja para um fim intempestivo.
Rio de Janeiro, 30 de setembro de 2020.