Meu pai fazia 83 anos, minhas passagens já estavam garantidas para que pudesse comemorar seu aniversário, mas em poucos dias fiquei apreensiva se o certo era viajar para Goiânia ou ficar no Rio. Conforme os dias foram passando, minha viagem de 13 de março se tornava um ponto de dúvida e angústia, pois viajar de avião, além de ter tido contato com possíveis casos positivos de COVID-19 tornavam minha visita, uma ameaça a longevidade do meu amado pai.
O certo era não ir. Fiquei no Rio, um tanto inquieta com o cenário de não ter uma data para que pudesse ver minha família e envolta nas novas emoções que cercam uma pandemia. A incerteza do dia do reencontro e o medo de não ter o meu sempre fiel amigo avião para encurtar a distância dos que amo.
Assim as fronteiras foram se delineando, as distâncias se percebendo e o tão pequeno mundo voltou a ter distâncias físicas e uma proximidade tão somente digital. Barreiras se ergueram e cada um ficou cercado em sua casa.
A porta fechou
Trancafiados, com chave e conexão, passou a se experimentar uma agonia coletiva. Bradávamos ao home office na certeza de o tempo ser extenso para poder realizar inúmeros desafios pessoais e fazer da produtividade o lema do distanciamento social. Outros já se afirmavam em quarentena e muitos já assumiam um isolamento por se sentirem infectados.
Houve uma contaminação emocional, em que rapidamente cada um precisava assumir o controle da informação. Era preciso disseminar uma novidade, algum novo paradigma do COVID-19 e se diferenciar nos seus grupos sociais. Sedentos por ter alguma utilidade se consumiu muita informação, se compartilhou fake News para depois o tédio se apossar com mais critério do que é útil. Não se aprendeu inúmeros idiomas, os cursos online gratuitos não foram concluídos, a euforia se dissipou.
Sim, as incertezas aumentavam, os planos individuais já não possuíam cronograma e precisava se perceber sem o controle da situação. Perfeito cenário para poder se abandonar, comer a toda hora, se embriagar ou de alguma forma fugir da realidade. Alguns resistiram bravamente com seu life style fingindo normalidade e outros submergiram nas próprias inquietações.
Era preciso silêncio
Já não adiantava bater panela, seja a hora que for, ou se confortar com palmas vazias. Era preciso não acreditar em um inimigo externo, como a política nacional tentou elencar, mas se haver com o murmúrio do próprio desconforto. Sim, mediante uma crise de vulgo “pandêmica”, seus desdobramentos não ficavam restritos ao noticiário, mas produziam efeitos na rotina de cada um.
As ruas já vazias, denunciavam um povo brasileiro, ciente do seu compromisso. E os adeptos das multidões estavam não sendo vistos com bons olhos. As curvas mundiais, de casos e mortos, ressaltavam os dados do descontrole. Se aquiete na sua casa, mude sua rotina, deixe as praças e as ruas, cuide da curva de propagação. Ciente da gravidade consumíamos com mais moderação as fake News.
Onde está a chave?
Ainda sem previsão de mudança do cenário mundial, muitos passaram a se confortar com a quebra de paradigmas e as rupturas que a crise pode desencadear. Alguns aceitam este desafio e passam a driblar perda da liberdade com propósito. Outros se cercam dos seus medos e levantam lutas diárias argumentativas, mais pelo hábito da retórica e por ter interlocutores que caem em suas armadilhas.
Talvez, tenha se percebido em alguma etapa de elaboração destes dias, ou não. Ainda pode estar tentando decifrar suas próprias fases. Que bom! Parabéns, não se sentir tão bem por estes dias faz sentido. Estranho seria estar tomado de euforia. Por vários lugares agora se aclama sobre saúde mental e os cuidados “da cabeça” para resistir por estes dias mais singulares. Tenha empatia, cada um se adapta a tantas mudanças conforme seus próprios limites.
Dura realidade
Com as portas fechadas, o consumo restrito, a crise econômica dá uma avalanche de conflitos. Mediante a desigualdade brasileira, a fome surge em pauta e a falta de sabão pode comprometer nossa #ficaemcasa para os que não tem onde ficar. Confrontados com nossas diferenças, alguns sinalizam solidariedade, o governo tapa buracos e precisamos encarar sem devanear que não estamos na Alemanha.
Avante, distanciamento social com moral, compaixão e quem sabe algum crescimento para além do que se acreditava antes. Boa sorte, apoie quando possível e evite escorar! A boa etiqueta da crise, para além da respiratória, exige não “espirrar” suas demandas emocionais em todos. Lógico, se o sofrimento ultrapassar o acostamento, sinalizar não fazer curva, se permita procurar ajuda.