Coronavírus (COVID-19): Coletivo Solidão

Vi na tela um sorriso, no olhar uma certa ânsia que traduzia uma alegria triste. Assim, nos últimos meses, fomos apresentados a uma nova alegria. Aquela em que se prova uma certa felicidade, com uma pitada de angústia. E aos que caminham contentes por esta nova interface virtual, do trabalho e das relações, se prova uma satisfação ainda sem tempero apurado.

Sente-se um peito apertado, de um olhar saudoso para os dias de pura aglomeração, mas há de se satisfazer por não estar passando falta do necessário. Nas preces do dia agradeço a minha saúde, a do vizinho e a do porteiro. Há de se estar atento aos que tossem na vizinhança, como se fosse um murmúrio de que não se tosse mais sozinho. Quando agora se ouve espirros, cafungadas e até um engasgo, tem-se um certo receio que por ali se denuncie alguém fora do compasso. Revela-se um certo constrangimento e logo se procura sufocar aquela que pode denunciar algo tão particular.

Salve Jorge

Depois quando já se perdeu o medo do tão perigoso inimigo, se veste com a armadura e vai para rua. Ainda alguns transitam sem que nada estivesse acontecendo. Corajosos ou incautos? Atualmente, mais para egoístas mesmo. Caminham na negativa da realidade, como se não houvesse coletivo. Maldita OMS, quero minha vida de volta. Logo se identifica um culpado, por alguns dias aquilo dá um alívio danado.

Passam-se mais alguns dias, novos estudos, testes de vacina, mais algumas trapalhadas do planalto e por onde está mesmo aquele influencer digital que tinha a solução para tudo? Os jornais repetem os assuntos, como se não houvesse mais notícia, ou acho que já não dou conta de escutar o que está acontecendo. Vou ali me distrair com minha vida digital. Trabalho, trabalho, não é que agora minhas horas estão na cadência da produtividade. Poder trabalhar agora é um privilégio. Oferta-se um certo afago com esta benevolência e procura ajudar o que está excluído. Assim vem aquela satisfação da empatia.

Agora vai! Ouve-se que tem a flexibilização. Decretos nos dão salvo conduto para algumas atividades. Agora entendemos os conceitos de banho de sol, liberdade condicional e alvará de soltura. Pelo que estou entendo estamos ainda de tornozeleira eletrônica, respirando pelas frestas da realidade e divagando com o novo mundo. Sonhamos com os abraços e acordamos amordaçados pelo combate ao racismo. Sim, da uma certa inveja, ver como os americanos estão reagindo ao racismo.

Wall Street não é a Faria Lima

Vamos fazer um combate ao racismo, bem ao tempero brasileiro, coloca aí sua tela preta que eu também coloco a minha. Ufa! Eita que sou bom mesmo! Agora já posso apagar que dou like na afamada meritocracia brasileira que se aclama contrária as cotas das universidades públicas e se esquece que temos uma história de exclusão racial contundente. Respiro fundo, tomo fôlego e sinto aquela paz de ser brasileiro. Esse povo americano é muito exagerado. Já cansei de assistir essa confusão. Vou ali maratonar minha Netflix, estourar minha pipoca e comemorar. De fato, Deus é brasileiro!

Mas é uma pena, país tão abençoado, agora sendo mal visto pelo mundo afora, dizem que dos mercados emergentes o risco Brasil é o maior. Culpa de quem? Abaixo a cabeça e penso: minha, do papagaio e do periquito. Ao invés de usar a máscara no lugar certo, aqui no Brazil resolvemos logo inovar e tampar os olhos e ouvidos. Será que a vacina sai antes do Carnaval? O Brasil não pode parar, #ninguémficaparatrás, só quem não tem dinheiro mesmo.

É preciso amar…

Mas podemos aproveitar enquanto isso as vacinas: solidariedade, empatia, altruísmo e do engajamento em construir algo mais consistente. A vacina coronavírus (COVID-19) está nos forçando a provar da humildade de que somos humanos e ciência de qualidade não se constrói na timeline.

Rio de Janeiro, 03 de junho de 2020.

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