Com a pandemia, o ritmo pareceu desacelerar e muitas pessoas sentiram na pele as consequências da quarentena, ficando muito mais tempo em casa e diminuindo o fluxo de trabalho, precisando se adaptar às mudanças sociais causadas pela disseminação da Covid-19.
O “office”, com isso, tomou o espaço do “home” e as rotinas familiares e pessoais começaram e se envolver em longos períodos de trabalho, com uma escala interminável em busca da tão invejada “produtividade positiva”.
As cobranças e a necessidade de dar conta de tudo atingiu picos assustadores e as pessoas começaram a ter o que era considerado “medo de descansar”. Isso mesmo! A culpa se tornou um dos grandes companheiros de profissionais das mais variadas áreas, que precisaram seguir com suas carreiras dentro de casa.
Neste contexto, diversos fatores contribuíram para a disseminação da produtividade sem precedentes, como os altos números do desemprego, o isolamento social e a insegurança profissional. Continue lendo este artigo e veja os impactos do culto a produtividade na vida dos brasileiros.
Trabalho remoto pós pandemia
A ansiedade que já fazia parte da realidade de muitas pessoas, desde o início da pandemia, voltou com tudo, despertando arrepios em quem tentava fazer aquele intervalo de descanso. O que antes parecia fácil e vantajoso, se mostrou muito mais difícil do que se imagina.
Segundo analise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em todo o Brasil 7,3 milhões de pessoas trabalharam de forma remota entre maio e novembro 2020, o que representa 17,4% do rendimento em massa gerado pelo trabalho. Neste cenário a busca por longas horas de produtividade e desempenho acima da média, se mostra bem alta.
Organização e produtividade. As duas palavras da moda, que martelam a mente dos profissionais, exigindo agilidade, comprometimento, altos resultados, desempenho impecável, que muitas vezes se esconde atrás de intermináveis crises de ansiedade e um cansaço às vezes insuportável.
A verdade é que os cenários que antes se mantinham em territórios separados, agora precisam competir por mais tempo e atenção. Muitas pessoas, que não estavam preparadas e capacitadas para o home office (ou trabalho remoto), tiveram dificuldades em seguir o ritmo das empresas, o que influenciou na baixa autoestima, na diminuição do desempenho, assim como no aumento da infelicidade profissional.
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Burnout e produtividade
A Síndrome de Burnout foi descrita por Herbert J. Freudenberger, psicólogo clínico, em 1974, como um conjunto de sintomas inespecíficos, médico-biológicos e psicossociais no ambiente profissional, como resultado de altas demandas de energia.
Ou seja, a síndrome afeta aqueles que se sentem esgotados psicologicamente, emocionalmente e até fisicamente, apresentando sintomas como cansaço excessivo, falta de concentração, pânico constante, medo de não dar conta de trabalhar, choro fácil e irritabilidade relacionada ao conteúdo do trabalho estão entre os principais sintomas.
Segundo a International Stress Management Association do Brasil (ISMA), 30% dos brasileiros sofrem com Burnout. Importante, configurar que a Síndrome do Burnout está vigorando como uma doença ocupacional na nova Classificação Internacional de Doenças (CID-11) desde 1º de janeiro. Esse transtorno é conhecido como resultado do estresse crônico no local de trabalho, não gerenciado.
Atualmente, muitas destas pessoas são classificadas de acordo com os sintomas como se tivessem apresentando uma reação aguda ao estresse ou um quadro de depressão. Neste sentido, não se realiza a associação direta necessária deste quadro em decorrência das atividades de trabalho.
Muitos apoiam a ideia de que a pandemia tem feito as pessoas trabalharem mais do que antes. O desemprego que se instaurou no país também contribuiu para isso, pois com o medo da demissão, as pessoas começaram a se dedicar exaustivamente às suas carreiras, para suprir uma demanda ou mesmo não deixarem margem para insatisfação. Num cenário de incertezas, o risco da perda da subsistência passa a fazer parte principalmente entre os mais vulneráveis.
O resultado de tanto trabalho e desempenho é uma sociedade psicologicamente doente, que sofre com ansiedade e que busca incessantemente dar conta de todas as suas funções acumuladas, deixando de lado por muitas vezes, a saúde física e mental.
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A romantização da produtividade
Seja em ambientes profissionais ou nos círculos familiares e sociais, há uma grande valorização das longas rotinas de produtividade, sem descanso ou momentos de ócio. A cultura do funcionário dedicado ou do pai, mãe, filho ou esposa que nunca se cansam de desempenhar atividades ao longo do dia, alimenta a ideia de que a produtividade é um estereótipo a ser alcançado e que quando mais se trabalha maior será a recompensa.
Entretanto, essa premiação ou retorno sobre o tempo e dedicação investidos, se mostra cada vez mais longe, quase que inalcançável em um ciclo interminável de trabalho. O lazer, antes tão aguardado, se tornou motivo de culpa e a produtividade incansável soa agora como grandes ideias para pessoas excepcionais, como uma medalha de honra para expor e causar inveja nos mais ociosos.
As redes sociais exemplificam esse processo de forma pratica. Enquanto influenciadores e celebridades compartilham suas vidas perfeitas, com rotinas intensas e agendas lotadas, mas com um sorriso enorme de satisfação no rosto e uma vida luxuosa, alimentada por longas horas de trabalho, seus seguidores e o público de modo geral, correm atrás do prejuízo, acumulando atividades em suas rotinas e perdendo o controle das suas vidas e da saúde mental, buscando alcançar o nível de exemplos replicados nas redes.
Por mais incrível que sua vida esteja, o glamour da produtividade invejável vista nas redes sociais, desperta a necessidade, o desejo de possuir a mesma vida, as mesmas coisas e o mesmo reconhecimento. Com isso cada vez mais pessoas se veem frustradas e ansiosas, aumentando não só o ritmo de suas vidas, mas o consumo de tecnologia e o acumulo de transtornos mentais, resultantes desde ciclo da produtividade imposta.
Produtividade no home office
2021 trouxe consigo diversas mudanças na rotina dos profissionais, mas com certeza o home office é uma das maiores. Neste novo formato de trabalho, a casa deixa de ser apenas um ambiente de descanso e relaxamento, começa a ocupar também a posição de escritório, adaptando cantos e espaços para acomodar ferramentas de trabalho.
Seja no formato hibrido ou 100% remoto, as adaptações foram intensas, afetando também as relação familiares e suas estruturas. Com isso, as longas horas de trabalho se viram normalizadas, o alto desempenho virou necessidade básica, exigência em muitas vagas de trabalho e a pressão psicológica pesou na realidade dos profissionais e suas famílias.
Os mais organizados buscaram por métodos de trabalho mais controlados, tendo o planejamento como principal ferramenta de trabalho. Já aqueles que não conseguiram se organizar, precisaram repensar suas rotinas e identificar novos formatos que possam contribuir para o bom desempenho. É neste cenário de caos que muitos sucumbem a produtividade acima de tudo, acumulando longas horas de trabalho para dar conta das demandas.
A importância do tempo de descanso
Segundo especialistas, mesmo os profissionais mais ávidos precisam de um tempo de descanso para se dedicar ao lazer, hobbies e a renovação das energias. Deixar de lado as preocupações do trabalho e estresses do dia a dia por ao menos algumas horas, é muito importante, afinal o risco de esgotamento, descomprometimento, pode trazer grandes prejuízos tanto para o trabalho, quanto para a vida pessoal.
A sobrecarga de trabalho pode ter origem na maneira como as metas são estabelecidas, tanto pelas empresas, como pelos colaboradores. É preciso ser realista com as suas capacidades e com o ritmo que a rotina pessoal assume, sem deixar de cumprir suas tarefas, mas abrindo espaço para momentos de relaxamento e tranquilidade.
Mesmo para os mais jovens, o excesso de trabalho tem consequências cruéis, principalmente com o decorrer do tempo e da idade, pois o corpo começa a sentir a necessidade de diminuir o ritmo e com um histórico intenso e pouco saudável, a saúde fica debilitada. Muitos têm dificuldade para poderem entender qual o limite devem se dedicar e onde está o excesso. Sem medida, também acham que podem crescer de forma muita rápida na carreira, não entendem o processo e a construção de longo prazo.
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Girando a chave e aproveitando o descanso
Valorizar os pequenos momentos é imprescindível. Mesmo alguns minutos, ou horas, já fazem uma grande diferença, recarregando as energias para um novo ciclo. Se você sente dificuldade em desconectar e relaxar a mente, aqui vão algumas dicas preciosas para facilitar a sua rotina:
- Crie seu próprio ritual de descanso, estipulando horários bem definidos;
- Leia um bom livro, escute uma música, assista um filme ou uma série;
- Fique longe do computador e se puder do celular;
- Busque por atividades de relaxamento, pois são muito benéficas para pessoas com altos níveis de estresse;
- Tenha uma boa noite de sono, pois é durante este tempo que o seu corpo e a sua mente se recuperam e se renovam;
- Cuide da sua saúde mental. Consuma conteúdos sobre o assunto disponíveis em portais, canais do YouTube e podcasts.
Conclusão
Manter a vida profissional e a pessoal conectadas, mas bem delimitadas, é realmente um grande desafio, porém a saúde mental tem total relação com sua produtividade. Uma pessoa muito cansada e desmotivada, não consegue alcançar bons resultados. Já quem está com as energias recarregadas, consegue ter maior clareza para suas decisões e perceber melhor suas ideias.. Por isso, valorize seu momento de descanso.
Além disso, não deixe de cuidar da sua saúde mental. Em nossa página “Onde buscar ajuda” mapeamos para você os locais mais próximos que oferecem apoio e atendimento psicológico, tendo como base o Sistema Único de Saúde (SUS). Não tenha medo, você não está sozinho!
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