Nos últimos anos, principalmente após a pandemia, as empresas perceberam que não é possível estar fora da internet. Dessa forma, até mesmo os empresários mais relutantes migraram seus empreendimentos para o ambiente virtual, atingindo uma enorme parcela da população que realiza todas as suas atividades por meio de sites e aplicativos.
Nesse cenário, surgem as denominadas empresas nativas digitais, que já nasceram no ambiente virtual. Assim, enquanto as empresas tradicionais tiveram que se adaptar às novas tecnologias, as marcas nativas digitais já começaram com o propósito de entregar todos os serviços de maneira online.
Tais empresas não dependem de lojas físicas para comercializar os produtos. Por isso, elas mantêm um sistema vertical de organização. Ou seja, sem agentes externos, têm total autoridade sobre os processos, que vão desde a cadeia de produção até a venda da mercadoria. Também são conhecidas pelo termo Digitally Native Vertical Brand (DNVB), ou marcas verticais digitalmente nativas. Além disso, elas também podem ser levadas ao ambiente físico, mas sem perder a essência digital.
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Um dos pilares das DNVB é o foco na experiência ao cliente, visto que prezam pelo engajamento e fidelização dos consumidores. O primeiro a definir o conceito foi Andy Dunn, CEO e fundador da Bonobos, marca norte-americana de moda masculina. Segundo ele, a proximidade com a audiência, nas nativas digitais, é consideravelmente maior do que nas lojas que seguem o modelo clássico de negócio. Para o empresário, as marcas não querem apenas vender, mas inspirar os clientes. Em virtude disso, dialogam com eles, auxiliando nas escolhas e estabelecendo uma união duradoura.
Outro ponto importante que vale ser destacado sobre as DNVBs é que elas são direcionadas ao público mais jovem, que também nasceram conectados. Desse modo, a geração Z ou a geração Y, que nasceu entre os anos de 1995 a 2010, não realizam suas compras da mesma maneira que os pais ou avós. Elas buscam, portanto, artigos com caráter dinâmico, personalizado e diferente do usual. Como o mote é a experiência do consumidor, as nativas digitais demandam boa parte dos esforços para construir uma relação sólida com ele.
Inovação e relacionamento com o cliente com certeza são grandes vantagens das novas empresas. No entanto, a forma descentralizada de lidarem com a estrutura empresarial pode causar danos na saúde mental dos funcionários. Isso acontece porque essas empresas também possuem um enorme contingente de profissionais jovens, que procuram empregadores que ofereçam cargos flexíveis, digitais e que possam exercer autonomia.
Embora a tecnologia seja manuseada com facilidade pelos mais novos, eles foram os que mais sentiram o impacto do home-office. Segundo uma pesquisa realizada pela Pulses, 45% dos trabalhadores da geração Z pontuaram que estavam mais ansiosos com a rotina remota. Isso se deve aos entraves encontrados para organizar o tempo, que gera a sensação de baixa produtividade.
Os profissionais mais velhos, em contrapartida, não encontram dificuldades para a autogestão e enfrentam o isolamento com maior facilidade. No mais, o modelo de teletrabalho é propício para o sentimento de solidão, sensação difícil de ocorrer presencialmente, em que o colaborador tem interações constantes com outras pessoas.
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O fenômeno da digitalização e a saúde mental
A ampla oferta de aparatos digitais que surgiram nos últimos anos de fato facilitou o ambiente de trabalho em muitos aspectos. Reuniões podem ser realizadas com os colaboradores a quilômetros de distância, mensagens são transmitidas mais rapidamente e serviços são otimizados. Tendo isso em vista, nota-se que a digitalização veio para ficar, já que as empresas viram nela uma grande vantagem, com a diminuição dos custos dos escritórios físicos tradicionais.
Ao mesmo tempo, contudo, esse sistema pode causar problemas graves à saúde mental dos funcionários. A rapidez e a constante competição incentivada pelos gestores acarretam em mal estar e pressão nos colaboradores. A busca pela produtividade também afeta o psicológico das pessoas, que procuram entregar resultados cada vez mais depressa.
Igualmente, o home-office foi responsável por aumentar algumas desordens patológicas nos trabalhadores. Tal fato ocorreu pois, com a nova configuração, o funcionário perdeu o equilíbrio entre casa, lazer e trabalho, muito comum há alguns anos. Por isso, trabalha mais horas, já que nunca sai do escritório, de fato, além de precisar enfrentar o isolamento, a falta de liderança ou um período de descontração e descanso.
Desmotivados e sobrecarregados, os colaboradores acabam chegando ao ápice da exaustão. A síndrome de burnout, por exemplo, é um quadro que pode atingir esses funcionários. O burnout é sentimento de esgotamento mental, que pode
Entre outros esgotamento mental, a síndrome de burnout está associada a:
- mudanças rápidas de humor;
- irritação;
- agressividade;
- faltas no trabalho;
- sentimento de ser ineficaz;
- tristeza quando precisa iniciar suas atividades de trabalho;
- isolamento;
- dificuldade de concentração;
- problemas de memória;
- autoestima baixa;
- pessimismo;
- dores de cabeça;
- sudorese;
- insônia;
- dificuldades em respirar.
O problema tem afetado principalmente os mais jovens, que passam a maior parte do seu tempo conectados. De acordo com um estudo feito pela LHH do Grupo Adecco, 38% dos entrevistados afirmaram que tiveram Burnout em 2021. A pesquisa também mostra que para 45% dos líderes pertencentes à Geração Z, o trabalho remoto piorou a sua saúde mental.
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Precarização do trabalho
A digitalização e a ascensão das marcas nativas digitais também trouxe à tona outro agravante para o trabalhador: a precarização do trabalho. A Uber, por exemplo, é um aplicativo que une passageiros e motoristas, e o maior símbolo atual do enfraquecimento dos vínculos trabalhistas. A “uberização” é o termo popularmente cunhado pelos utilizadores da plataforma, que enfrentam jornadas exaustivas, têm que custear o próprio material de trabalho, vide gasolina e pneus, não possuem seguro de saúde, de vida e são expostos a situações de violência. Tudo isso, aliás, recebendo salários baixíssimos. Empresas como 99, iFood, Rappi e Loggi enfrentam o mesmo problema.
Mas a uberização não é exclusiva dos aplicativos de carros, na verdade ela serve para caracterizar qualquer classe de trabalho intermediada pelos meios digitais. Com o avanço da pandemia, uma parte considerável da população perdeu o emprego fixo, tendo que recorrer a esse tipo de ofício. Além disso, com os restaurantes e bares fechados, os serviços de delivery viram a demanda aumentar. Esse fato aumentou o lucro das empresas, mas o mesmo não ocorreu com os trabalhadores, que trabalhavam mais e ganhavam menos.
A Uber surgiu em 2009, na Califórnia, após seus criadores, Garrett Camp e Travis Kalanick, encontrarem entraves para pedir um táxi em uma viagem. Assim, o aplicativo chegou para simplificar a acessibilidade ao transporte, de forma que beneficiasse motorista e passageiro. Em 2020, a marca tinha mais de 1 milhão de motoristas e entregadores cadastrados, em 22 milhões de usuários, contando com os passageiros. No Brasil, as atividades da organização se difundiram principalmente em 2014. Sem dúvidas, a tecnologia propiciou para que novos empregos surgissem, e que pessoas conseguissem chegar ao seu destino ou receber entregas de maneira prática. No entanto, os prejuízos causados ao trabalhador são motivo de preocupação e devem ser solucionados.
Esse cenário é alarmante por diversos fatores, essencialmente em momentos de crise econômica como a atual. A digitalização apresenta inúmeras vantagens: é uma opção para o desemprego, oferece liberdade para definir horários e tarefas e a oportunidade de aumentar a renda. Por outro lado, não tem estabilidade, salário fixo, depende unicamente do trabalhador, não há direitos trabalhistas (férias, 13º, FGTS, INSS) e a remuneração é baixa. Consequentemente, a saúde mental e física dos utilizadores fica abalada, e eles não têm nenhum suporte das empresas a que prestam serviço. No momento em que estamos, não é mais possível fugir dos meios digitais, por isso é urgente que as DNVB elaborem alternativas para assegurar a integridade dos parceiros.
Soluções
É indubitável que não é mais possível viver sem a digitalização, e que ela otimizou uma gama de processos. É preciso, entretanto, salvaguardar o bem-estar mental e físico do trabalhador, seriamente abalado em virtude das consequências advindas com as novas tecnologias. Está claro que as antigas relações empregatícias não são mais as mesmas, mas isso não significa que a saúde dos funcionários deva ser sucateada.
Para que isso não aconteça, as empresas podem adotar algumas medidas, são elas: disponibilizar mecanismos de apoio psicológico e estabelecer contratos de trabalho que deem suporte ao colaborador caso acidentes ou imprevistos aconteçam. No final de 2021, a União Europeia (UE) afirmou que estava elaborando um projeto legislativo para melhorar a qualidade de trabalho dentro dos meios digitais.
O objetivo é acabar com as injustiças e prestar algum suporte aos colaboradores. Um dos primeiros passos é mudar o termo utilizado para classificá-los, então de “trabalhador independente” passaria a se chamar “trabalhador autônomo”. A iniciativa tiraria parte do controle das empresas nas atividades dos parceiros, que teriam direito a férias remuneradas. Ainda não é possível prever o futuro dos empregos realizados através das plataformas digitais, mas o que se sabe é que é de responsabilidade das empresas assegurar a plenitude dos funcionários.
E a principal via para a solução de forma adequada para esta questão são práticas de governança institucional, dentro das plataformas digitais que para além da facilidade e inovação entregue comece a ser dar conta das pessoas que estarão na ponta desta prestação de serviço. Aí entra o desenvolvimento de lideranças e gestores que tenham sensibilidade para as questões emocionais. Se este é um tópico do seu interesse, conheça como o Portal da Mente poderá contribuir na sua jornada em saúde mental.