Injúria moral, estresse pós-traumático e as demissões em massa

Quando a índole de um profissional é colocada em jogo no ambiente de trabalho, ele pode ser levado a vivenciar sérios problemas psicológicos. Esse quadro, denominado de injúria moral ou estresse moral, é causado por uma série de fatores que ferem as crenças de uma pessoa. Nesse cenário, o profissional sente uma pressão tamanha que pode chegar a pedir demissão do cargo. 

Caso o gerente de uma empresa tenha que realizar ações que podem prejudicar seus subordinados, por exemplo, o risco de adoecer é alto. Por incrível que pareça, é uma situação muito comum, mas extremamente perigosa para a sua companhia. Isso porque, quando os objetivos de negócio ultrapassam os valores de seus trabalhadores, eles sentem-se pressionados e logo sua moral é atacada. 

O quadro clínico foi visto primeiramente em soldados que voltavam da guerra: ao presenciar as atrocidades dos campos de batalha, eles retornavam para casa com sérias lesões psicológicas. Dessa maneira, a injúria moral acontece quando alguém presencia ou participa ativamente de comportamentos no local de trabalho que contradizem suas convicções. Portanto, ao testemunhar situações que têm um alto potencial de prejudicar alguém fisicamente, psicologicamente, socialmente ou economicamente, o empregado pode começar a apresentar alguns sintomas relacionados ao estresse. 

Contudo, é muito importante que saibamos diferenciar a injúria moral com o transtorno do estresse pós-traumático. Embora tenham características semelhantes, os dois problemas se diferem nas causas e tratamentos. Enquanto o primeiro está relacionado quase que estritamente ao ambiente de trabalho, o segundo é mais abrangente, ocasionado por qualquer situação traumática. 

 

O que é injúria moral?

Os primeiros estudos acerca de injúria moral foram feitos em veteranos de guerra, lesionados mentalmente em virtude das barbaridades dos conflitos. Atualmente, a pesquisa se expandiu para as áreas da saúde, educação, serviço social e outras ocupações que provocam alta pressão aos profissionais. Nos últimos dois anos, principalmente com a pandemia, se tornou ainda mais evidente que a injúria moral pode se apresentar em diferentes contextos e culturas, inclusive no local de trabalho. 

Em vista disso, as pessoas podem estar deixando as empresas – em que possuíam cargos elevados, altos salários e muitos benefícios – por outros motivos além do conhecido esgotamento. Na verdade, eles estão desistindo dos empregos porque a consciência foi ferida e seu senso de justiça inerente violado. 

Após a pandemia, muitas atitudes tóxicas que eram comuns em organizações foram colocadas em destaque. Consequentemente, houve uma demissão em massa de colaboradores que, entre outras razões, não mais tolerarão maus-tratos, injustiça e incompetência de seus líderes, principalmente à custa de sua dignidade e valores.

A injúria moral é provocada por condições no ambiente de trabalho que desrespeitam o senso de justiça do colaborador. Isso significa que as percepções de justiça (ou injustiça) no local de trabalho têm efeitos profundos sobre funcionários. Alguns estudos afirmam ainda que tais experiências têm efeitos fisiológicos, visto que a dor emocional é processada na mesma região do cérebro que a dor física. Além disso, o estresse moral leva a danos psicológicos duradouros, que se estendem por muitos e muitos anos. 

Os sintomas incluem sentimentos de: 

  • tristeza;
  • raiva;
  • ansiedade;
  • culpa;
  • vergonha;
  • desgosto.

Alguns indivíduos podem apresentar um dano espiritual, uma crise existencial ou até mesmo ficar fisicamente doentes. Além disso, a desilusão resultante de injúria moral pode levar ao ressentimento e à desistência do cargo.

Contudo, esse cenário não significa que os líderes devem pisar em ovos, ou passar a mão na cabeça dos funcionários, algumas situações delicadas, no entanto, exigem uma visão mais empática dos chefes. Com isso, conforme as novas relações de trabalho vão se desenrolando, os líderes podem aprender a lidar com essa dinâmica. 

 

Como evitar a injúria moral nos colaboradores?

Algumas atitudes simples podem ser tomadas pelos chefes para que suas ações não prejudiquem os valores dos colaboradores. O primeiro passo é não tentar camuflar a hipocrisia sob um argumento de justiça. Ou seja, em muitas experiências sociais, o conceito de justiça muda de acordo com as vivências pessoais de cada um. Por isso, é importante que o líder sente com a equipe e ouça o que ela considera justo ou injusto. E mais: os chefes devem ter certeza de que praticam as mesmas regras que impõem aos seus subordinados. 

Os líderes são o principal exemplo para os colaboradores, então precisam honrar os compromissos que pedem que os outros assumam. Isso impedirá que os funcionários sintam indignação ou ressentimento, denunciando possíveis atitudes hipócritas. Conhecendo a equipe e os valores que movem os funcionários, o líder saberá lidar com os conflitos. A injúria moral é, na maioria das vezes, fruto de um desalinhamento de ações e valores. Neste caso, os valores dos chefes com os dos subordinados. Não é possível agradar a todos, mas é possível evitar decepções. 

 

O que é estresse pós-traumático?

Embora tenham sintomas semelhantes, a injúria moral não deve ser confundida com o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Isso porque o TEPT é uma espécie de transtorno de ansiedade, que surge após um evento pós-traumático. Esse estado provoca prejuízos em várias áreas da vida, desde trabalhos a relacionamentos. A psicoterapia é um dos tratamentos da TEPT. 

Ao vivenciar, ou apenas testemunhar um acontecimento traumatizante, vide violência física ou sexual, acidente de carro, desastres naturais, assaltos ou sequestros, o indivíduo pode ser abatido pela TEPT. Nos últimos dois anos de pandemia, foi observado uma alta de casos de pessoas com o transtorno, especialmente as pessoas que perderam familiares e não puderam estar com eles nos momentos finais de vida, ou mesmo, não puderam velar seus corpos. Entre os sintomas relatados, estão:

  • lembranças frequentes do trauma;
  • sudorese intensa, náusea ou tremores;
  • evitação de lugares, pessoas e atividades associadas ao trauma;
  • estado de alerta constante, rompantes de raiva ou dificuldade para adormecer;
  • dificuldade para confiar em outras pessoas e para manter relacionamentos íntimos;
  • falta de interesse em algumas tarefas; 
  • dificuldade de concentração;
  • emoções de culpa ou vergonha.

 

Tratamento

O tratamento do transtorno do estresse pós-traumático inclui psicoterapia, em que o paciente pode compartilhar o trauma e através da abordagem técnica conseguir ir diminuindo o tamanho de sua dor emocional, e assim amenizar seu sofrimento. Outros procedimentos eficientes são os exercícios para reduzir o estresse, como ioga ou meditação. Também pode envolver medicações controladas, como antidepressivos, ansiolíticos ou outros medicamentos, conforme a avaliação do psiquiatra. 

 

Como os quadros citados se relacionam com as baixas taxas de retenção nas corporações?

A exaustão e as pressões no ambiente corporativo são uma das principais causas da demissão em massa. Salários altos e estabilidade não prendem mais os colaboradores, e isso se acentuou ainda mais com a pandemia do coronavírus. Em 2021, apenas no mês de abril, 4 milhões de trabalhadores desistiram de seus empregos, fenômeno chamado de “grande renúncia”. 

Em entrevista para a BBC, Anthony Klotz, professor associado de administração na Escola de Negócios Mays, da Universidade Texas A&M, explica que existem quatro grandes motivos para as pessoas renunciarem aos cargos. O primeiro deles é que todos aqueles que gostariam de ter pedido demissão em 2020, adiaram a resolução em virtude dos cenários incertos advindos com a pandemia. Entretanto, com o progresso da campanha de imunização, as pessoas começaram a se sentir mais confiantes, e concretizaram a retirada. 

O esgotamento é o segundo fator que está levando os profissionais a largarem seus empregos. De acordo com Klotz, houve um número considerável de pessoas em home office que tentavam conciliar as demandas do trabalho com as atividades domésticas, e por isso começaram a expor sintomas de esgotamento. Longos períodos de descanso são a única cura para o problema, afirma o especialista, mas como esse não é um caminho possível para a maioria, a demissão torna-se a melhor opção. 

Agora, a terceira motivação para a onda de demissões, conforme Klotz, seriam os momentos de revelação ou epifania. Assim sendo, ocorrem quando o indivíduo, que pode estar satisfeito com o papel que exerce na empresa, vivencia algo que o faz pedir demissão. Assistir a um colega sendo demitido ou não conseguir a promoção almejada, por exemplo. 

O quarto motivo para as demissões em massa é a expansão do trabalho remoto, que cresceu exorbitantemente após a pandemia. O especialista aponta que muitas pessoas se acostumaram a trabalhar longe dos escritórios e, por isso, relutam para retornar ao “antigo normal”. Ele destaca que, como seres humanos, temos preferência em atividades em que a autonomia é maior. Dessa maneira, a liberdade em organizar a rotina à sua própria maneira fez com que os funcionários quisessem permanecer trabalhando remotamente.  

Portanto, os novos planos empregatícios definidos pela modernidade e acelerados por conta da crise sanitária, ainda não estão totalmente claros, mas devem ser analisados com atenção. O que se sabe é que os profissionais estão cansados de certos meandros que costumavam ser comuns nos ambientes corporativos. Metas impossíveis de serem cumpridas, assédios morais e quebra de valores não serão mais tolerados pelos colaboradores, não importando o tamanho do salário ou a quantidade de benefícios que o cargo oferece. Logo, é necessário que os líderes conheçam a equipe, seus interesses, ambições e valores morais. Isso é alcançado com muito diálogo, alinhando as perspectivas dos funcionários com os desejos da empresa. Essas movimentações evitarão que os colaboradores sintam-se pressionados ou esgotados e, consequentemente, acabem abandonando seus empregos. Demissões em massa são extremamente prejudiciais, visto que afastam profissionais qualificados, que poderiam estar desempenhando funções de vital importância para o crescimento da companhia. 

 

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