Doomscrolling: o feed das más notícias

Amantes de filmes de terror, montanha-russa e livros de suspense, todos compartilham de um mesmo instinto, a necessidade de adrenalina que cada uma dessas atividades desperta no seu organismo. Uma tendência de “gostar do medo” e buscá-lo sempre que possível, desafiando-o, mas ao mesmo tempo mantendo um certo controle sobre ele.

Em agosto de 2020 um novo termo foi escolhido como a “palavra do mês” pelo dicionário online Dictionary: doomscrolling, que em tradução significa literalmente “rolagem da desgraça”, ou em uma explicação mais prática, a tendência de navegar de forma contínua na internet em busca de mais notícias, mesmo que essas sejam tristes, desanimadoras ou deprimentes.

O termo se tornou tão popular que ganhou espaço nas redes sociais alguns meses depois, após a publicação de uma jornalista canadense sobre esse vício que parece ter tomado conta em todos os cantos do mundo.

Mas afinal, como o doomscrolling começou e de que forma podemos explicar essa constante necessidade de envenenar-se com tantas más notícias?

Doomscrolling e a ansiedade

Encontramos nas redes, um “apoio” para o enfrentamento do isolamento social e para nos mantermos informados e atualizados sobre o cenário que se desenrolava. Porém essa necessidade de informação começou a tomar enormes proporções, desencadeando um surto de problemas emocionais, como por exemplo, a ansiedade.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é considerado o país mais ansioso do mundo, alcançando a marca de 18 milhões de brasileiros, o que expõe ainda mais as causas para tais números. 

A taxa de desemprego no país subiu para 14,8% durante a pandemia da Covid-19, o preço dos alimentos alcançou proporções alarmantes, alguns setores da economia enfrentaram – e ainda enfrentam – crises sem precedentes e a instabilidade da saúde pública afeta diretamente milhares de famílias.

A realidade é que a sociedade aprendeu de forma instintiva a evoluir, utilizando o doomscrolling como ferramenta para conhecer melhor o inimigo, ou seja, através da informação podemos desenvolver melhores armas para combatê-lo e assim sobreviver.

Essa crença aliada a hiperconectividade, alimentou um vício que parece não ter fim. Em outras palavras, temos a falsa sensação de que estamos realmente no controle das informações e da situação, quando na verdade estamos sendo bombardeados por conteúdos que colaboram ativamente para nossa instabilidade emocional.

A hiperinformação pode parecer benéfica para algumas pessoas, principalmente em períodos conturbados como o atual, mas essa não é a realidade. O doomscrolling impacta diretamente a vida e a saúde mental da sociedade de modo geral, despertando sentimentos como a ansiedade, o medo, a tristeza, o isolamento, a depressão e muitos outros.

Além disso, pessoas que já lutam contra problemas emocionais estão ainda mais propensas a aderir e sucumbir ao doomscrolling, tudo isso porque quanto mais ansiosa for a pessoa, mais haverá necessidade de domínio sobre seus sentimentos e as coisas ao seu redor. Assim, a falsa sensação de controle dada por esse vício, se torna uma possível solução. No entanto, consiste numa armadilha que precisa ser evitada.

O apego as más notícias

Quantas vezes você já se pegou rolando o feed atrás de mais notícias sobre a realidade? Em quantos links você já clicou para saber mais sobre a morte de alguém, os números da pandemia, acidentes e outras tragédias? Você consegue passar por um acidente de carro sem olhar?

Todas essas indagações estão ligadas e podem ser explicadas quimicamente pelo nosso organismo, como a montanha-russa e o filme de terror que mencionamos no início deste artigo. Entretanto, para além daquela tensão prazerosa do suspense ou de uma ameaça controlada quando se alimenta um pessimismo coletivo, este pode modificar padrões de comportamento.

Um estudo publicado pela revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, identificou entre os 17 países participantes da pesquisa, um comportamento padronizado com relação ao consumo de más notícias. Como resultado a pesquisa mostrou que os participantes demonstravam maior atenção e excitação durante essas histórias negativas.

A mente ao receber estímulos bons e ruins, como por exemplo o consumo de notícias, se mantém em alerta para temáticas negativas, como acidentes, assassinatos e sensacionalismo. Essa reação funciona como um alerta para o cérebro, como um instinto, mantendo-se atento a possíveis perigos.

O ser humano será sempre inclinado a procurar e identificar o perigo, dando uma resposta natural de prazer, movida pela adrenalina.  Esse medo em excesso  sobrecarrega o corpo, produzindo altos níveis de cortisol, causando efeitos devastadores em nosso cérebro.

O consumo de notícias desenfreado trás um clima de instabilidade e insegurança, mas será que devemos deixar de nos informar por conta disso? Não. O ideal é sempre estar preparado e atualizado sobre as notícias que envolvem a sociedade de modo geral, mas não podemos nos deixar corromper pelo medo e pelas más notícias, pois desse modo acabaremos sucumbindo ao pânico e deixando de viver com qualidade de vida.

Busque se informar através de veículos com autoridade e relevância, que abordem os assuntos sem sensacionalismo, apenas entregando as informações e ampliando os pontos de vista. Consumir conteúdos de fontes questionáveis não é a melhor escolha, principalmente com relação a temas que influenciam a sociedade.

Neste cenário, sintomas como a dor de cabeça, problemas digestivos, ansiedade, aumento do peso, insônia, irritabilidade, perda de memória e depressão, aparecem com cada vez mais frequência.

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De que forma podemos combater o doomscrolling?

O primeiro ponto para se livrar desse vício é reconhecer que o problema realmente existe, o que já é uma conquista muito grande, principalmente levando em consideração o histórico de dificuldade dos brasileiros em buscar ajuda psicológica para outros problemas emocionais.

Se você modula o que sente pelo que acontece externamente de forma mais intensa precisa se cuidar com o que assiste. Alguns programas são feitos para divulgar o medo, a insegurança e o lado ruim das coisas. Já alguns perfis da internet são feitos para acentuar uma “mentira” ou influenciar comportamentos de ódio. Em tempos de tanta informação, precisamos saber escolher onde vamos ler ou assistir a realidade para que não fiquemos muito alienados. 

Diversos veículos com grande credibilidade na entrega de informações, disponibilizam para seus leitores uma ótima curadoria de conteúdos relevantes, tomando como base suas preferências e utilizando sempre sites oficiais como a Organização Mundial da Saúde, para a referência das informações. Atente-se a consumir apenas conteúdo confiável.

Para te ajudar a melhorar este consumo de notícias e cuidar da sua saúde mental, vamos te dar algumas dicas para colocar em prática:

Valorize o lado positivo

Tudo na vida tem seus dois lados e se manter positivo para tudo o que vem e para tudo aquilo que já foi, facilita muito este processo de tratamento que utiliza-se dos bons pensamentos para se sentir melhor. Não confunda com negar a realidade ou a distorcer para se adeque às suas expectativas. Valorize os bons momentos que você passa com a família, valorize sua vida, a saúde daqueles que ama e também pequenos detalhes, como apreciar um bom prato ou jogar bola com os filhos.

Aproveite a realidade

Em um era tão conectada, às vezes deixamos de aproveitar, de verdade, a nossa vida sem telas e redes, utilizamos e hiperconectividade para fugir da nossa realidade, mas de um jeito ou de outro ela sempre está ali, cabe a você aproveitá-la e transformá-la da melhor forma. Não ache que se conectar vai o proteger de resolver o que precisa. Saiba priorizar suas necessidades.

Desconecte

Não há como negar, a internet faz parte de toda a nossa rotina e muitas vezes ocupa espaços demais. Que tal dar a vez para pequenos prazeres fora das telas? Leia um livro, faça um passeio, namore, ria mais, curta a vida e as belas experiências que ela pode lhe dar. Reserve um tempo para se conectar, mas mantenha sempre um bom equilíbrio e saiba criar limites, controlar sua rotina para não voltar ao ciclo do doomscrolling. 

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Consuma conteúdos mais leves

Há uma imensidão de canais e veículos que falam sobre todo tipo de informação, então se manter atualizado apenas com notícias ruins não é uma boa saída. Leia sobre assuntos mais leves, torne o momento da sua leitura diária, algo novo e divertido, sem cobranças, pressões ou inquietações. Esse é o seu momento para relaxar, aproveite!

Manter-se informado é diferente de absorver os fatos como se fossem decidir sua vida naquele segundo. Não se negue a saber do que precisa, mas não se afunde em notícias como se estivesse impotente para cuidar da sua vida.

Gostou do artigo? Já conhecia esse termo? O doomscrolling é uma realidade para muitas pessoas e ela pode estar mais perto do que você pensa, então fique atento aos sinais.

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