O discurso da evolução já faz parte da cultura humana de modo geral há muito tempo, ocupando um lugar quase que obrigatório em nossas vidas, e seja em âmbito pessoal ou profissional, as pessoas tendem a buscar constantemente o autoaperfeiçoamento em sua vida e desempenho.
Mas em alguns casos essa necessidade gritante de evolução, dá lugar a uma competitividade tóxica, onde há sempre uma grande insatisfação, que compromete a qualidade de vida e as relações sociais.
É claro que a busca pelo autoaperfeiçoamento é necessária, afinal o ser humano está sempre em constante mudança, mas utilizar o pretexto de crescimento para justificar um apego excessivo às mudanças, motivado pelo constante sentimento de fracasso e a necessidade de sempre ser o melhor, pode ser uma armadilha perigosa para pessoas com traços perfeccionistas. Continue lendo o artigo e saiba mais sobre a cultura do autoaperfeiçoamento.
De onde vem o culto ao autoaperfeiçoamento?
Livros de autoajuda, palestras motivacionais, webinars sobre se manter em constante evolução e uma chuva de coaches focados em desenvolvimento e crescimento pessoal/profissional. São tantos conteúdos voltados para a necessidade emergente de evolução, que deixamos de lado o equilíbrio emocional e focamos apenas em chegar em um primeiro lugar imaginário. Assim muitos caem nessas iscas do mercado e acabam sugados por uma avalanche de necessidades urgentes que são apenas distratores. Mas e aquele papo de “o importante é se divertir”?
O fato é que a pressão e o ritmo acelerado e conectado em que vivemos, nos obriga a sempre melhorar, sempre fazer o melhor, manter-se em constante crescimento e lá na frente, colher os louros. Afinal, é errado preferir a estabilidade?
Uma pesquisa realizada pelo Social Psychological and Personality Science, publicada pela revista Time, entrevistou 5 mil adultos, com idades entre 20 e 75 anos e descobriu que pessoas que se imaginam permanecer constantes ao longo dos anos, possuem vidas mais satisfatórias do que aqueles que estão sempre em busca de crescimento, mudanças e evolução.
É claro, que devemos levar em consideração o estado atual de suas vidas no momento da pesquisa, mas ainda sim, podemos perceber que as pessoas que buscam incessantemente pelo autoaperfeiçoamento, são motivadas por algo específico, por um objetivo certo. Entretanto, muitos na realidade estão sem este objetivo específico e apenas se sentem pressionados a fazer parte do fluxo de busca.
Não há nada de errado em gostar da estabilidade da vida atual, afinal todos temos ideais de felicidade bem diversos, mas o crescimento pessoal, profissional e etc é de uma forma ou de outra, parte do ser humano, que sempre se mantém em constante evolução, mesmo que não se perceba.
O problema realmente começa, quando somos obrigados a mudar apenas para nos tornar socialmente aceitáveis, para suprir uma exigência de terceiros, a sociedade de modo geral, direta ou indiretamente.
Autoaperfeiçoamento e as redes sociais
O feed mais bonito, as fotos mais atraentes, o número de seguidores e interações. As métricas de vaidade das redes sociais norteiam o comportamento dos usuários, que buscam incessantemente pela aprovação social e pela felicidade utópica que tantos perfis compartilham e encorajam.
A ideia de vida perfeita desperta gatilhos na mente dos usuários, que necessitam sempre de atenção e buscam pela aceitação e o sucesso nas redes para se adequar a vida de outras pessoas. Neste cenário, a autoconfiança e autoestima seguem padrões perigosos, despertando distúrbios como compulsão alimentar, ansiedade, depressão e tantos outros.
Esse assunto já virou tema em diversas plataformas de conteúdo, como podcasts, vídeos do Youtube, sites e portais de notícia e até mesmo plataformas de entretenimento, como a Netflix, que abordou em diversos conteúdos a dependência das redes sociais e a falta de contato social que ocorre como consequência.
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A busca pelo estética perfeita
A tecnologia avançou e agora a beleza já não é mais uma barreira. Os filtros, tão famosos nas redes sociais, são responsáveis por diversas mudanças na imagem, tornando qualquer defeito imperceptível. Dessa forma, os erros e imperfeições que tanto humanizam a sociedade, se esconderam atrás da necessidade de se manter belo a todo momento.
O que antes era apenas uma necessidade atendida nas mesas de cirurgiões plásticos, agora tem uma metodologia muito mais fácil e barata: a distorção da imagem. Cabelos, olhos, cor da pele, tipo do corpo e tantas outras características que podem ser alteradas rapidamente, tornaram os filtros uma necessidade básica em todas as fotos. A partir daí, a realidade permanece escondida, dando lugar a vaidade e a popularidade.
Procura-se o profissional perfeito
No ambiente corporativo o cenário não é muito diferente. Neste ambiente, erros não são aceitos e a política de reconhecimento se baseia nos melhores desempenhos, profissionais perfeitos que entregam muito além das expectativas, mas que escondem uma saúde mental fragilizada e uma vida pessoal instável.
As altas exigências no ambiente profissional, a necessidade constante de se trabalhar sob pressão e metas irreais, contribuem para o baixo número de profissionais que se sentem valorizados e felizes com suas carreiras. De acordo com uma pesquisa realizada pelo consultor de carreira Fredy Machado, em 2017, mais de 90% das pessoas não se sentem realizadas profissionalmente. Deste percentual, 36,52% não estão felizes em suas carreiras e 64,24% gostariam de fazer algo diferente do que fazem hoje.
A necessidade de realização profissional, sucesso e reconhecimento influenciam desde o inicio da carreira. O jovem trabalhador busca pela aceitação da família, a fim de conseguir a validação para suas vidas profissionais e escolhas ao longo do caminho, por isso acaba trilhando um caminho diferente daquele que gostaria, construindo um futuro profissional frustrado e infeliz.
Muitos profissionais acabam desenvolvendo com o tempo, diversos distúrbios mentais que derivaram da pressão psicológica a qual foram expostos. Pouco se fala sobre saúde mental dentro das empresas e mesmo que o tema seja assunto em diversas palestras e conteúdos dentro e fora do mundo digital, ainda é baixa a parcela de profissionais que se sentem a vontade para tratar de suas fragilidades e imperfeições com colegas de trabalho e gestores.
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Tipos de autoaperfeiçoamento
Todas as áreas da vida podem carregar a pressão da evolução constante, em alguns casos uns mais do que outros. Mas aqui vamos listar aqueles que se fazem mais frequentes no dia a dia de muitas pessoas.
Profissional
O ambiente profissional tem grande relação com a necessidade de sempre estar à frente, em crescimento. Em algumas empresas essa é uma cobrança muito clara por parte dos gestores, criando um clima de comparação e competitividade, o que colabora e muito para a instabilidade emocional dos funcionários.
Estético
O culto à estética e a necessidade de se enquadrar em padrões de beleza definidos de forma social, são os verdadeiros vilões quando os assuntos são desequilíbrios emocionais, em especial quadros com alterações da percepção de si mesmo.
A busca pela aparência perfeita, torna o indivíduo um verdadeiro refém de um ritmo constante de se adequar ao que acredita ser uma melhoria, seja através de dietas excessivas, um ritmo intenso de atividades físicas, ou diversos procedimentos estéticos, que muitas vezes acabam tendo resultados questionáveis.
Moral
De forma a ganhar popularidade, algumas pessoas adotam comportamentos e opiniões sobre diversos assuntos, a fim de mostrar-se superior com relação às outras. Isso acontece nos mais diversos grupos sociais, até mesmo dentro do ambiente familiar. Alguns, passam a se achar os guardiões da boa moral e do que é correto, criando um ambiente de rixas e divergências, pois muitos passam a ficar intolerantes aos que tem uma opinião diferente.
Espiritual
Algumas pessoas tendem a reconhecer a religião a qual seguem, como superior e inquestionável, se mantendo em uma posição agressiva com relação às demais crenças. No entanto, diferentemente de outros países que têm estas diversidades de uma forma mais clara, no Brasil alguns cenários de preconceito são velados e muitas vezes o sincretismo religioso não é uma realidade.
Troque autoaperfeiçoamento para autocuidado
Abdicar de certos hábitos não é uma tarefa fácil, mas se você notar realmente que esses costumes e ações estão afetando sua vida de forma negativa, em desacordo com aquilo que tanto almeja, é necessário ponderar e refletir o que precisa rever em suas escolhas.
Para te ajudar, listamos aqui alguns passos que podem fazer todo o sentido para você.
- Valorize as pessoas à sua volta, seja no trabalho ou na vida pessoal. Note aqueles que fazem parte da sua vida, mas que não estão recebendo a atenção de que merecem;
- Priorize seus objetivos, aqueles que são realmente importantes. Afinal, ninguém fará isso por você;
- Valorize o seu trabalho e suas pequenas conquistas. Você não precisa ser sempre o melhor em tudo, mas fazer o melhor por você um dia de cada vez é muito bom;
- Seja mais compreensivo com o outro, em uma medida que não te demande tomar para si ainda mais trabalho. Ajude como puder;
- Seja honesto consigo mesmo, não viva tentando se enganar. Perdemos muito tempo correndo atrás de aceitação e deixando nossos desejos e sonhos sumirem;
- Seja positivo. Nem sempre é fácil manter a positividade, mas se concentre nas realizações e nas vitórias, sem se tornar refém do medo e da insegurança;
- Cuide da sua saúde mental sempre. Respeite seus limites.
Uma sincera autoanálise
Independente dos ambientes e tipos de auto aperfeiçoamento, os excessos são sempre prejudiciais, pois além de comprometerem a sua saúde mental, ainda podem afetar a de terceiros, já que muitas ações motivadas por esse sentimento de competitividade, estão relacionadas a ambientes sociais.
“Mas como saber se minhas ações estão sendo prejudiciais?”
O mais importante é não deixar que esta sua busca seja mediada pela comparação. Em seguida, o ideal é refletir sobre seus objetivos e sua vida de modo geral. Compreenda suas reais motivações e sonhos, para que possa adequar suas escolhas com aquilo que realmente faz sentido para sua trajetória e construção.
Tenha muito cuidado com o seu emocional, pois às vezes deixamos de priorizar o que realmente está sendo bom para nossa vida e saúde, em busca de uma satisfação, disfarçada de crescimento. Quando se dá conta, ocorre uma espiral de demandas que sugam por completo nossas forças. Cuidado com estas armadilhas e não se distraia de você.
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Um passo de cada vez, respeitando os limites do seu corpo e da sua mente, aos poucos você vai notar que o ritmo se tornará mais leve e produtivo, o que vai facilitar ainda mais as mudanças que o ciclo do auto aperfeiçoamento responsável farão em sua vida.
Gostou do artigo? O ritmo anda acelerado demais na sua vida?
Evoluir é importante, mas não faça dessa necessidade uma obrigação para você.
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